Entrevista com Cardeal Hummes: “Papa é jesuíta de coração franciscano”


Vaticano – Único cardeal brasileiro presente no Conclave a não ter ainda se encontrado com a imprensa depois da aleição de Papa Francisco, Dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo recebeu a Rádio Vaticano na Residência da Cúria dos Franciscanos, em Roma.


Entusiasmado, Dom Cláudio ressaltou os gestos de simplicidade evangélica do novo Papa e falou de sua alegria por ter estado ao lado do Pontífice, logo após a sua eleição.

“Eu estava muito feliz. Em primeiro lugar porque tínhamos o novo Papa, mas também por uma coisa extraordinária: é um Papa da América latina, um argentino, nosso vizinho. Tudo isso era algo de forte, significativo, que indicava tempos novos para a Igreja, que tanto precisa neste momento. Estávamos muito felizes porque ele tinha acabado de dizer que ia se chamar Francisco”, disse D. Cláudio.

Segundo D. Cláudio, o nome Francisco é um programa de vida, programa de Igreja; é um programa para um Papa, um programa maravilhoso porque é evangélico. Isto tudo dava uma alegria muito grande. Também para mim foi uma alegria enorme estar ao lado dele. Ele me convidou, me disse ‘venha, esteja comigo, ao meu lado este momento’ e eu fui, junto com o Cardeal Vallini, que é o Vigário. Este foi um gesto espontâneo dele que eu não posso explicar por que foi ele que espontaneamente me convidou. Eu era apenas ‘um menino feliz’”, revelou.

Segundo o arcebispo emérito de São Paulo, eles são amigos. “Nós nos conhecemos muito. Nos encontramos no outro Conclave, quando participamos juntos. Nos conhecemos de muitos Sínodos e outros momentos em que nos encontramos aqui em Roma. E depois, em Aparecida, quando convivemos 20 dias e éramos da Comissão da redação, a principal, de onde saiu o texto definitivo. Ele era presidente e eu membro. Nós trabalhamos juntos naqueles dias. Ele é um jesuíta com coração franciscano”.

Segundo D. Cláudio esse jesuíta franciscano nasceu em Buenos Aires, de sua experiência de vida lá, um Arcebispo que foi para o meio do povo, na periferia, defendendo-os, estando de toda forma ao lado deles. Ali é que nasceu Francisco que temos hoje como Papa”.

Sobre o envolvimento do Papa Francisco com a ditadura militar, D. Cláudio foi enfático: “Posso dizer que ele não tem absolutamente nada a ver com tudo isso. Nada. Ele é um homem absolutamente do povo, do povo simples, que defende o povo com um pastor defende as suas ovelhas, que ama profundamente. Isso ele sempre fez e sempre foi assim. Todo o resto são ilações em que se busca de toda forma alguma coisa com que ‘diminuir’ uma pessoa, mas ele não tem absolutamente nada a ver com isso”.

CONFIRA ABAIXO A ENTREVISTA EXCLUSIVA QUE D. CLÁUDIO DEU AO JORNAL FOLHA DE S. PAULO



Apontado como o cardeal brasileiro mais próximo do novo papa, dom Claudio Hummes, 78, diz que a igreja “não funciona” do jeito que está e pede mudanças em toda sua estrutura. Na sua apresentação ao mundo, Francisco convidou dom Cláudio, arcebispo emérito de São Paulo, a ficar do seu lado no balcão da basílica de São Pedro.
Emocionado com o convite e com a homenagem ao fundador de sua ordem, o franciscano d. Cláudio disse à Folha que a escolha do nome é por si só uma encíclica. O ex-bispo de Santo André disse ainda que as acusações de que o novo papa colaborou com a ditadura militar argentina são “grande equívoco, senão uma falsificação”.


Folha – O sr. foi convidado pelo papa Francisco a estar ao seu lado na primeira aparição. Como é a relação entre vocês?

D.Claudio Hummes – Nós nos conhecemos de tantas oportunidades, porque fui arcebispo de São Paulo, e ele, arcebispo de Buenos Aires. Mas sobretudo foi em Aparecida (SP) onde estivemos mais tempo trabalhando juntos, na 5ª Conferência Latino-americana, em 2007. Existia ali a comissão da redação, a mais importante porque ali que se formulava o documento para depois ser votado. Ele era o presidente, e eu, um dos membros. Admirei muito a sua sabedoria, serenidade, santidade divina, espiritualidade. Muito lúcido e muito pastoral, grande zelo missionário, de querer que a igreja seja mais evangelizadora, mais aberta.

Como foi o convite para o balcão?

Quando se começou a organizar a procissão da Capela Sistina para o balcão na praça, ele chamou o cardeal Vallini, que faz as vezes do bispo de Roma, o vigário da cidade, e me chamou também. Disse: “D.Cláudio, vem você também, fica comigo neste momento”. Disse até: “Busca o teu barrete [chapéu eclesiástico]”, bem informalmente. Fui lá buscar o meu barrete e estava todo feliz….

Porque não é o costume, quem vai junto são os cerimonários, nunca tem cardeais com o papa, eles estão nos outros balcões. E o fato de que ele nos convidou acabou rompendo um monte de rituais. Mas foi realmente, para mim, muito gratificante. E também pelo fato de ele ter recém-escolhido o nome de Francisco. Eu sou franciscano, então isso me envolvia muito pessoalmente.

Como o sr. interpreta esse gesto?

Como um gesto pessoal dele, muito espontâneo, muito simples. Não sei quais os significados que ele queria dar. Eu digo que fiquei muito feliz, estava ali com o primeiro papa chamado Francisco.

São gestos simples, mas que mostram quem ele é e como ele vê as coisas. A minha maravilha foi que esses gestos foram compreendidos pelo povo simples e pela mídia. A mídia também interpretou esplendidamente, entendeu as mensagens que o papa queria dizer.



Qual é o significado de ter um papa de fora da Europa depois de mais mil anos e além disso latino-americano?

Os outros papas que não foram exatamente europeus vinham da região do Mediterrâneo. Nesse sentido, era a Europa da época, era uma grande realidade geopolítica.

Mas o fato de que hoje venha um papa de fora da Europa tem um significado muito grande porque mostra o que a igreja sempre tem dito: a igreja é universal, para a humanidade. Não é para a Europa.

Ter um papa é o sinal maior. É o gesto de dizer: o papa pode vir de qualquer parte do mundo.

Também acho importante que tenha vindo da periferia ainda pobre, emergente. Isso é uma confirmação para todos os católicos de lá: “Nós temos um papa que vem daqui”.

E não só para os católicos, até os países se sentem muito mais em pé de igualdade com os outros.

São Francisco também é lembrado pela missão de reformar a igreja como um todo. A escolha do nome também tem essa abrangência?

Certamente, para o papa, o nome é todo esse programa. Hoje, a igreja precisa, de fato, de uma reforma em todas as suas estruturas. Organizar a vida da igreja, a Cúria Romana, que tanto se falou e que precisa urgente e estruturalmente ser reformada, isso é pacífico entre nós. Porém uma coisa é entender que precisa ser feito e outra coisa é fazê-lo.

Será uma obra gigantesca. Não porque seja uma estrutura gigantesca, mas por um mundo de dificuldades que há dentro de uma estrutura como essa, que foi crescendo nos últimos séculos.

Alguém disse já que a escolha do nome Francisco já é uma encíclica [mensagens do papa à igreja], não precisa nem escrever. Isso é muito bonito, é muito promissor.

Em que sentido a reforma é necessária?

Não é só da Cúria, são muitas outras coisas: o nosso jeito de fazer missa, de fazer evangelização, essa nova evangelização precisa de novos métodos. O papa falou no encontro com os cardeais sobre novos métodos, nós precisamos encontrar novos métodos.

Mas se falou sobretudo da Cúria Romana, que precisa ser reformada estruturalmente. É muito grande, mas tudo isso precisa de um estudo, a gente não tem muitas coordenadas.

Muitos dizem que é grande demais, que foi feito um puxadinho aqui, um puxadinho lá, mais uma sala aqui, mais uma comissão lá, mas essa aqui não tem suficiente prestígio…. Essas coisas todas que acontecem numa estrutura dessas.

A igreja não funciona mais. Toda essa questão que aconteceu ultimamente mostra como ela não funciona. E depois, uma vez feito esse novo desenho, você tem de procurar as pessoas adaptadas para ocuparem esses cargos, esses serviços.



Reza a lenda de que o papa Francisco não gosta de vir a Roma, que sua formação foi longe daqui. Isso contribuiu para a sua escolha?

Não sei se contribui para a sua escolha, mas contribui agora, que ele é papa, a ser mais independente, a ser uma visão mais objetiva. É muito diferente ver um jogo da arquibancada e ver um jogo jogando futebol. Ele não jogou futebol. Vai ajudar, certamente.

Mas ele também vai ouvir pessoas que jogaram, porque é importante ouvir do jogador como ele viu o jogo e quais são as necessidades dentro da forma como se joga.

Continuando a metáfora, o sr. jogou aqui por quatro anos e já foi convocado por ele. O que o sr. pode dizer a ele sobre o que precisa ser feito?

Se um dia me perguntarem sobre isso… Claro, todos nós já falamos sobre isso nas congregações gerais [reuniões pré-conclave], em que ele estava presente. E estamos disponíveis sempre pra ajudar e precisamos ajudar. Os cardeais são o conselho que deve ajudar o papa.

Há relatos na imprensa argentina sobre o envolvimento –por omissão ou colaboração– do papa Francisco com a ditadura militar. O que tem sr. pode falar sobre isso?

Certamente, isso não é real. Pode ser que alguém tenha se equivocado em certos discernimentos, mas conhecendo toda a pessoa dele…. Não conheço os detalhes, mas, conhecendo a pessoa, nem é possível imaginar isso. Ele é um homem extremamente dos pobres, dos direitos da gente, dos mais simples, dos mais oprimidos, dos mais humilhados, ele é um exemplo de defesa, de estar junto dos pobres…. É inimaginável. Tenho certeza de que tudo isso de fato é um grande equívoco, senão uma falsificação.

A igreja no Brasil, incluindo o sr., teve um papel muito importante na defesa dos direitos humanos durante a ditadura. Como isso se deu na Argentina, sem levar em conta o papa Francisco?

As igrejas pelo mundo afora tiveram as suas próprias avaliações e seu próprio modo de ser. Não me sinto autorizado para fazer um juízo sobre a igreja nesse ou naquele país.

Fala-se muito que a herança da Teologia da Libertação para a igreja na América Latina é o discurso em favor dos pobres. No caso do papa Francisco, qual é a relação dele com esse movimento?

Basta olhar como ele foi arcebispo em Buenos Aires e o documento de Aparecida, que diz tudo isso. Ele está nessa linha, certamente. Se a gente quer descobrir qual é a linha dele de pastoral social, de relação com os pobres, nós vamos encontrá-lo lá, sim.

A Teologia da Libertação foi uma fase histórica que, obviamente, tem essa questão da consciência que temos dos pobres e da necessidade de sermos solidários em termos construtivos da justiça social. Tudo isso a Teologia da Libertação também reforçou.

Eu acho que hoje, se a gente quer ver como as pessoas se relacionam com esse passado, é preciso olhar os documentos de hoje. Senão, você começa a transportar o passado, que não é mais uma resposta para hoje. O mundo já mudou, e as respostas são diferenciadas.

A primeira viagem do papa deve ser ao Brasil, onde a igreja enfrenta desafios muito grandes, como a evasão de jovens e o avanço das igrejas neopentecostais. O sr. tem uma ideia do que o papa pretende orientar sobre o futuro da igreja no país?

Ainda não transpirou nada sobre as mensagens que ele vai levar, mas a gente sabe, tem certeza de que ele vai falar, em primeiro lugar, da importância dos jovens, de que devemos estar do lado dele, devemos ser compreensíveis. Ele quer que a igreja seja compreensiva, misericordiosa, saiba caminhar juntos e que isso é um percurso que tem de fazer, não se pode exigir que amanhã alguém já seja um cristão perfeito. É um caminho, um processo.

É dar a certeza aos jovens de que a igreja os entende e quer acompanhá-los e também quer mostrar a luz. Quer dizer: “Prestem atenção, existe, sim, um sentido para a vida, existe alguém pelo qual vale a pena viver e dar a vida. Há alguém, que é Jesus Cristo, ele é uma luz que vocês deveriam seguir.” Isto é, não deixar de mostrar o caminho, mas, ao mesmo tempo, ser compreensivo de onde o jovem ainda está nesse caminho.

E depois a nova evangelização certamente será um outro tema forte dele.

Desde o Concílio Vaticano 2º, há um grande esforço para o diálogo interreligioso, principalmente com as religiões mais antigas. No caso da América Latina, como é o diálogo neste momento entre a igreja e o neopentecostalismo, que não para de crescer?

O diálogo ecumênico com as outras igrejas cristãs não católicas existe de forma muito forte, sobretudo a partir do Concílio Vaticano 2º. Com as grandes igrejas: ortodoxa, oriental, as igrejas protestantes de origem luterana, calvinistas, que são igrejas históricas. Mesmo com o judaísmo, há um grande diálogo. E também com o islamismo, mas isso é outro setor porque, para eles, Jesus Cristo não é como para nós cristãos. Esse diálogo é lento, mas vai caminhando.

Com as igrejas neopentecostais, onde existe muito uma teologia da prosperidade, se dá muito acento ao exorcismo, ao dízimo e coisas assim, elas se diferenciam das igrejas pentecostais. Mas tanto uma com a outra são muito semelhantes. Com elas, é mais difícil, porque muitas delas simplesmente não aceitam o diálogo, mesmo se nós quiséssemos dialogar. Porque não aceitam pensar numa unidade um dia. E muitas vezes são agressivamente anticatólicas, então é muito complicado.

O sr. já é emérito, mas vai ficar no Vaticano em alguma função?

Não, não, eu vou ficar aqui até o dia 22, vou participar da cerimônia pública religiosa e vou participar de uma reunião no dia 21. E aí volto para os meus trabalhos.

Há relatos na imprensa italiana de que o sr. contribuiu durante o conclave para eleger o papa Francisco. O sr. confirma?

Tudo o que aconteceu dentro do conclave, eu não posso falar.

Voltando ao seu trabalho na cúria, de 2006 a 2010, na Congregação para o Clero, houve uma entrevista em que o sr. falava que o celibato era uma questão disciplinar e que, por isso, estava aberto à discussão. O sr. teria sofrido uma reprimenda quando chegou ao Vaticano. Está na hora de questões como celibato e a ordenação de mulheres serem menos ortodoxas?

Isso de reprimenda, você é quem está dizendo. Eu apenas digo que todas essas questões, todos esses desafios hoje, grandes questões que estão aí em aberto, a igreja não se fecha a discutir aquilo que é necessário ser discutido, ser aprofundado. E isso significa uma igreja capaz de dialogar, capaz de ouvir, capaz de aprofundar, discutir e procurar caminhos. É o que ela vai fazer, certamente.

E esse papa é muito aberto a ouvir. Ele mesmo disse que quer ouvir o mundo, e não só os cardeais e os bispos.

Entrevista ao jornalista Fabiano Maisonnave, em Roma.

Fonte: http://www.franciscanos.org.br/?p=34106

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