A reciclagem do “ser”


A lógica do descarte, que parece ser direcionada apenas às “coisas” é, hoje, o jeito pelo qual as pessoas se tratam e, o pior: o jeito pelo qual o mundo espera que você (!) trate as pessoas. 

Amores líquidos¹, amizades efêmeras, contatos rápidos, conversas superficiais, risadas forçadas, interações pré-programadas... Trejeitos robóticos que inundam nosso cotidiano e fazem o silêncio do quarto escuro lembrar da solidão que é estar num mundo em que a sua essência não é tão relevante assim. Não à toa cresce exponencialmente o número de jovens que se fecham às próprias dificuldades e, desse abismo, não enxergam o horizonte florido que, com certeza, existe. 

É difícil, mesmo. Num panorama como o atual, em que pessoas não são mais que números, é simples acreditar estar sozinho, buscar ao redor uma mão que ampara e, ao invés disso, ver apenas a mão que apedreja. É fácil julgar. É fácil (pré) conceituar o que se vê pela primeira vez, o que se vê e não se enxerga. Difícil é olhar aos olhos de Deus, que apresenta um amor puro e verdadeiro, sem julgamentos, mas com afeto, amparo e cuidado. 

Deus não descarta, nunca. 

Deus recicla. 

Ele quer a melhor versão de nós mesmos e não se importa se ainda não atingimos esse estado. Ele espera, insiste, acredita. Nos dá tudo o que o mundo nos tira. 

E, o melhor: Ele também nos ensina a ser assim!



Tem, por aí, gente que não entende muito bem, que distorce esse sentimento tão autêntico e divino pra justificar (e fazer refletir nos outros) os próprios medos e as próprias inseguranças. Mas tudo bem, entende? Essa é a lógica. Para Deus, tudo bem. Os braços celestiais estão sempre abertos, sem distinção, sem julgamentos, sem descarte. 

Ele mesmo ensinou que “o amor tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (Coríntios 1: 1-13) e é assim que nos ensina a viver. Na contramão da lógica do mundo, quem vivencia o amor d’Ele entende que é melhor (e até mais fácil) perdoar, identificar as inúmeras qualidades existentes em cada pessoa, sorrir, abraçar, amar, prestar atenção no outro – e o “outro” pode ser uma mãe, um tio distante ou um desconhecido na rua, não importa, todos são igualmente importantes.

Esse amor que é capaz de reciclar, de dar uma segunda chance, de parar a caminhada na direção oposta e voltar a correr junto, na sua forma mais genuína, não representa o sentimento a alguém especificamente, mas a tudo! Foi isso que aquele Deus que se fez homem, tão importante que recomeçou a contagem do tempo, nos ensinou. 

O amor se constrói em tudo, para tudo, apesar de tudo. É esse o segredo! Olhar mais, amar mais. É conseguir sentir essa energia tão intensa na gota do orvalho escorrendo na folha verde, na abelha que pousa soberana no arbusto florido pela primavera, no sol quando toca o mar ao fim da tarde e faz descer a sombra nos elementos que completam a paisagem. 

É aí que Ele mora, aí que se faz perfeito o amor. Quem se permite sentir esse Amor, não sente mais a solidão do quarto escuro. Mas, se as circunstâncias da vida fizerem a luz não mais iluminar, tudo bem – é a lógica! Ele não descarta, Ele recicla. 

Sejamos estrangeiros² aqui, não obedeçamos à imposição de um método que não se preocupa com os sentimentos no âmago de cada ser. O Céu é o nosso lugar! Que a vida na terra seja a mais harmônica possível, porque, assim, Ele nos espera lá em cima. E, pra isso, que sejamos amor. Que não descartemos. Que voltemos nossa atenção para reciclar: nossos sonhos perdidos, as amizades deixadas para trás, os parentes afastados, o mundo! Por que não? 

Nos quatro cantos existe quem só precisa da nossa mão estendida, do nosso olhar sincero, do nosso sorriso amigo. Seres que precisam, apenas, da reciclagem do “ser”. 

Que tenhamos a coragem de ir na contramão. 

Que São Francisco nos inspire a sermos pequenos, a nos despojarmos do que não acrescenta e focarmos naquilo que importa - o amor. 

Não tem segredo: Sejamos Amor!  


Primeiros dias da primavera de 2017,
Gabriela C. Nabozny.


[1] BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido, Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar. 2004.
[2] BIONDO, Leonardo. Estrangeiro Aqui. In: CD Estrangeiro Aqui – Missionário Shalom. 2006. Faixa 5.

"Que possamos usar do tempo do advento para refletir sobre nossos ideais, nossos projetos e sonhos, para que, com o Nascimento Jesus, também nós possamos renascer no Amor! 
Paz e Bem!"

2 comentários:

  1. Não creio que seguir uma lógica de que somos apenas estrangeiros aqui esteja em sintonia com o caminhar da família Franciscana ou com o que a própria igreja prega. O estrangeiro não se importa com a realidade do lugar em que ele se visita, apenas está ali de passagem, para aproveitar as cosias boas. Não é para isso que estamos na terra, não somos apenas estrangeiros aqui. Temos responsabilidades e cuidados durante nossa temporária vida aqui. Recomendo leitura: http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf
    Em tempo, acima do cuidado com o planeta ainda temos de ter o cuidado com nossos irmãos e irmãs, com o amor ao próximo, com a transformação do mundo em um lugar melhor... Volto a dizer, não somos apenas estrangeiros, o autor da música errou.

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    1. Querido irmão,

      Agradecemos a contribuição! Mas não foi neste sentido que foi utilizado o termo. Assim vejamos:
      "Francisco gostava da expressão peregrinos e estrangeiros com a qual Pedro, em sua primeira carta, qualificara os discípulos de Cristo (1Pe 2,11). Ela aparece na Regra: “Os irmãos nada tenham de seu, nem casa, nem lugar, nem coisa alguma; mas como peregrinos e estrangeiros neste mundo, servindo a Deus em pobreza e humildade…” Para Francisco, viver em pobreza é essencialmente considerar-se como forasteiro. Quem fala em peregrino e forasteiro fala em pobre. Como os hebreus saindo do Egito e atravessando o deserto no despojamento e na penitência buscavam alcançar a Terra Prometida, os irmãos andam em peregrinação pascal: não fazem outra coisa senão passar pelo mundo, passar para o Pai, no seguimento de Jesus. Antes de tudo são estrangeiros. Não se instalam com segurança, mas alojam-se como hóspedes de passagem que se abrigam sob um teto dado de favor. Assim, foi a instalação desconfortável dos irmãos no tugúrio de Rivo Torto. Admirável o fato de, posteriormente, terem abandonado esse local, expulsos por um camponês com toda serenidade, sem manifestarem violência. Compreenderam o sentido do provisório na existência cristã. Ao irmão que reclamava da falta de conforto, Francisco dizia: “Não suportar as privações com paciência, meu filho, é voltar às cebolas do Egito” . Os irmãos não são somente estrangeiros, mas também peregrinos. Desprendidos dos bens terrenos, correm na direção de Deus." http://franciscanos.org.br/?p=8943

      Agradecemos também a indicação de leitura da Encíclica Laudato Si! Estudamos bastante sobre o documento em fraternidade e inclusive organizamos um evento aberto ao público para discussão. É, de fato, um texto muito importante para nós!

      Abraço fraterno,
      Paz e Bem!

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